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Fidel e os furacões


Abaixo, texto de Ruben Siqueira, da CPT Nacional, memória de uma viagem a Cuba. Fidel e a revolução cubana serão motivos de disputas e discórdias até no túmulo. Entretanto, aquela América Latina miserável, de fome, sede, colonialismos e injustiças, aprendeu a erguer a cabeça exatamente com eles.

Fidel e os furacões
Ruben Siqueira (CPT Nacional)

Tanto se disse hoje sobre Fidel e Cuba (qta besteira aqui nas redes sociais, pró e contra!), que ao fim do dia resolvi dar tb eu o meu pitaco! Lembrança testemunhal de uma viagem à Ilha…

Final de novembro de 2002. Fomos a Cuba, numa delegação de representantes de movimentos sociais e sindicais brasileiros, para o II Encontro Hemisférico de Luta contra a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Eu estava pela CPT (Comissão Pastoral da Terra).

Chegamos em Havana nos rastros dos furacões Isidore e Lili. Juntos, gente do povo e soldados do exército limpavam as ruas. Indo depois do encontro para a região “tabacalera” de Pinar del Rio, para um intercâmbio com camponeses, pude ver ao longo da “carretera” a devastação: casas destelhadas, rede elétrica caída, canaviais dobrados, toda uma safra de laranjas no chão… E de novo, populares e exército juntos no enfrentamento dos estragos. (A van parava para dar carona a estudantes e trabalhadores, sem que pedissem. Carona é uma “instituição” em Cuba. Assim como parar o carro, sem que peçam, para que alunos atravessem a rua indo ou vindo da escola. O que só se vê no início da manhã ou no fim da tarde. Durante o dia não há crianças e adolescentes nas ruas em Cuba: estão todos na escola.)

Cubanos convivem com furacões e tempestades tropicais, é algo incorporado ao modo de viver na ilha. Por isso, eles têm uma bem organizada e eficiente Defesa Civil, uma das melhores do mundo. E quem a liderava era Fidel. O que sobre isso me contaram, então, dá a dimensão da liderança (e do mito) do Comandante. Em várias ocasiões, por onde estava previsto passar o epicentro do furacão, estava ele à frente. Avisavam que o furacão iria se deslocar tantos quilômetros, Fidel e a Defesa Civil corriam pra lá. Novo aviso, novo deslocamento. Até que o furacão passava por fora da ilha, com poucos impactos. “Nem furacão pode com o Comandante”, diziam cubanos.

A imagem de Che é muito presente em toda a ilha, também a de Camilo Cienfuegos (o mais querido), a de Fidel nem tanto. Presente mesmo é José Martí, o pai espiritual da Cuba livre; seu busto se encontra em toda repartição pública, nas praças e até em entroncamentos de estradas rurais. A revolução cubana sobrevive sob esta mística, verdadeiro culto à imagem dos revolucionários. Por isso o uso continuado do verde oliva do uniforme militar. (Sinal dos tempos, Fidel tinha que no fim da vida substituí-lo pelo macacão da Adidas?) Entre os heróis também se incluem soldados, médicos, engenheiros e educadores que morreram em missão solidária mundo afora. Cada comunidade reverencia os seus.

Deu o que pensar… Não há mesmo luta pela transformação revolucionária e socialista sem uma mística socialista e revolucionária. Mas será que em Nuestra América, a busca da utopia socialista não conseguirá se fazer sem esta mitificação do líder, “pai da pátria”, caudilho de sinal invertido, que desanda em desigual hierarquia?
Na sessão de encerramento do encontro, Fidel falaria. Ao menos uma parte do seu discurso, provavelmente longuíssimo como na lenda, estava eu disposto a ouvir. Era quase três da manhã e ele nem tinha começado… Vencido pelo cansaço e pelo sono, fui dormir. Ele falou o resto da noite. Não me chamaram para o encontro especial da delegação brasileira com ele ao amanhecer… Conta-se que depois ele foi jantar (!) com representantes das delegações e ainda animado tomou várias garrafas de vinho…

Mas, a melhor imagem de Cuba que trouxe comigo e nunca esqueço não foi da imponente figura do Comandante, foi a cabeça erguida, a altivez de seu povo. Nunca vi igual em nenhum lugar por onde já andei. Isto quero para o nosso e todo povo.