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Leão XIV e “anunciai o evangelho a toda a criatura”.


Leão XIV e “anunciai o evangelho a toda a criatura”.

Roberto Malvezzi (Gogó)

O que significa “ide pelo mundo e anunciai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16,15)? Não é o evangelho uma exclusividade humana?

No Antigo Testamento, quando Noé sai da arca com todos seus familiares e animais, Javé lhe diz: “Vou fazer uma aliança convosco e com vossa posteridade, assim como com todos os seres vivos que estão convosco: as aves, os animais domésticos, todos os animais selvagens que estão convosco, desde todos aqueles que saíram da arca até todo animal da terra. Faço esta aliança convosco: nenhuma criatura será destruída pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para devastar a terra”. Deus disse: “Eis o sinal da aliança que eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras. Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra” (Gênesis 9, 9-13).

Portanto, antes de fazer uma aliança com Abraão, com um povo, Deus tem uma aliança com toda sua criação, para sempre. Nesse sentido, podemos começar a entender o que significa “evangelizar todas as criaturas”. Alguns teólogos chamam essa aliança de universal, outras a chamam de aliança cósmica.

Entretanto, como “evangelizar todas as criaturas”? As que ouvem, não entendem, exceto o ser humano. Dizem que os animais são “sencientes”, tem a capacidade de sentir ou perceber pelos sentimentos. E temos aqueles seres que sequer ouvem, como os vegetais ou a água, essa molécula que não parece viva, mas que não existe vida onde ela não está.  Portanto, como é possível evangelizar as criaturas para além do ser humano?

Só há uma saída. A evangelização das criaturas só é possível pela atitude do “cuidado”. É cuidando de todas as criaturas, no espírito do “cultivar e guardar” (Gênesis 2,15), que se torna possível evangelizar todas as criaturas. A natureza cuidada sente e agradece ao ser humano, lhe oferecendo um ambiente abundante de vida. Afinal, Deus tem uma aliança eterna com ela (Gênesis 9,16), a redenção de Jesus se estende a todas as criaturas (Romanos 8,15-21), e a plenitude dos tempos, clara no Apocalipse, inclui a humanidade e todas as criaturas (Apocalipse 22).

São Francisco entendeu perfeitamente essa dimensão da evangelização. Dizem que Santo Antônio, no espírito de Francisco, também anunciava o evangelho aos passarinhos. Papa Franciscus também entendeu essa dimensão do evangelho e a codificou na Laudato Si’. Espero, sinceramente, que Leão XIV a entenda em toda sua extensão e profundidade, para o bem da humanidade e de toda a criação.

Franciscus sempre nos alertou que os desafios contemporâneos são sempre socioambientais, portanto, ser humano está sempre incluído, mas não é o único. E Jesus nos pediu que estivéssemos abertos aos “sinais dos tempos”, e a crise climática é literalmente um sinal dos tempos.

Esse é o primeiro passo para sairmos do antropocentrismo que domina a humanidade, com a consequente devastação da natureza, que também predomina na Igreja Católica, mesmo após Franciscus.