Manaus é a metáfora do saneamento privatizado.
Roberto Malvezzi (Gogó)
Quer saber como será o futuro do saneamento privatizado do Brasil? É só ver os dados do saneamento de Manaus, o preço da água, a satisfação dos clientes, a abrangência do que foi feito até hoje. No ranking das dez piores cidades em coleta de esgoto, Manaus é a sexta colocada com apenas 12,43% da população beneficiada, dado do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – base 2018)[1]. A situação de Manaus é pior que Belém e Macapá. E é bom sempre lembrar que o saneamento básico envolve o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, manejo dos resíduos sólidos e a drenagem da água de chuva.
O serviço controlado pelo Grupo Aegea Saneamento e Participações, que atua na cidade através da concessionária Águas de Manaus, tem esse serviço público sob sua responsabilidade desde o ano 2000. Portanto, 20 anos para fazer o que fizeram em termos da tão propalada eficiência do setor privado. Bom observar que é uma Parceria Público Privada (PPP), não uma privatização como a proposta no projeto agora aprovado.
O velho discurso do capital nunca se faz de rogado. Anuncia que haverá bilhões de reais em investimentos, milhões de empregos serão gerados, que os índices nacionais de saneamento são uma vergonha e precisam ser melhorados. De fato, nossos índices são vergonhosos, mas a solução apontada é mais vergonhosa ainda.
O Brasil criou uma lei e uma política de saneamento básico (11.445/2007), criou um Ministério das Cidades depois desfeito, tem recursos do FGTs e outros para investir no setor. O que sempre faltou foi vontade política.
Se a privatização fosse a solução Paris e mais de 260 cidades do mundo não teriam desprivatizado seus serviços de água. E o argumento é bem simples, os serviços pioraram de qualidade e se tornaram muito mais caros. Então, o único remédio foi desprivatizar.
O capital vai seguir o roteiro das outras privatizações já tão óbvias, isto é, onde houver lucro, vai investir. Onde houver despesas deixará o osso para o Estado, como já disse claramente o senador Jaques Wagner da Bahia. Assim são as estradas, os aeroportos e demais serviços privatizados. Pior, se der errado, devolvem o bagaço para o Estado.
Sem ilusões, só restarão privatizados os serviços de saneamento lucrativos. Nosso povo empobrecido e periférico continuará na lama, no meio dos esgotos, nas inundações, no lixo e sem água potável para beber.
OBS: É preciso analisar melhor o projeto aprovado, já que parece estabelecer o mercado de outorgas de água, uma mercantilização dos mananciais que tínhamos derrotado até agora, o que seria o horror dos horrores. Mas, esse é assunto para outro texto.
[1] O saneamento privatizado de Manaus lidera o ranking de reclamações. https://amazonasatual.com.br/o-saneamento-privatizado-de-manaus-lidera-o-ranking-de-reclamacoes/
Recebi uma reação ao texto de alguém que se identifica como Dr. Camargo. Sem mais detalhes não é possível saber se representa a empresa AEGEA ou não. Em todo caso, publico aqui a reação dele e a resposta que lhe enviei:
Corpo da mensagem: Dr Camargo.
“Diferentemente do que o Sr alega no seu texto “Manaus é a metáfora do saneamento privatizado” publicado aqui na sua pagina e no portal OUTRAS PALAVRAS, a Companhia de Saneamento do Norte (CSN), que controla a Manaus Ambiental, concessionária dos serviços de água e esgoto de Manaus, foi comprada pela Aegea Saneamento e Participações S.A em FEVEREIRO DE 2018 e não há 20 anos como erroneamente diz o texto. Informe-se também de todas as melhorias que foram implementadas na gestão desta concessão nestes dois anos, sendo a AEGEA uma das empresas mais premiadas na área ambiental pela sua excelência de atuação.
RESPONDI:
Sr. Camargo,
Agradeço as observações e vou fazer a correção se o texto ainda estiver publicado. Em todo caso, a mudança de controle não anula a substância fundamental do texto, isto é, vinte de anos sob o comando da iniciativa privada não alterou a qualidade do saneamento de Manaus.
Aqui onde moro, Juazeiro da Bahia, um serviço público da prefeitura, evidentemente com verbas do saneamento disponíveis em nível federal, chegou a 96% de cobertura no esgotamento sanitário em um período menor que esse. Está aí um bom exemplo também para a empresa particular que comanda o serviço em Manaus.
Sem mais.
Malvezzi.