Tobias, o coveiro bíblico de Bolsonaro
Roberto Malvezzi (Gogó)
O livro de Tobias, que está na Bíblia Católica, retrata a vida de um jovem temente a Deus, que pratica sua fé no cotidiano, ajudando os mais necessitados, pagando seu dízimo, visitando os deportados e enterrando os mortos, mostrando um profundo respeito pelo ser humano também na hora da morte.
Porém, o cuidado com os corpos incomodava: “Seus vizinhos criticavam-no unanimemente, dizendo: ‘Já uma vez ordenaram que te matassem, precisamente por isso e mal escapaste dessa sentença de morte, recomeças a enterrar os cadáveres!” (Tobias 2,8).
Hoje, enterrando multidões ao redor do mundo, vitimadas pelo coronavírus, esse cenário necrófilo se coloca diante do nosso olhar novamente. Muitos se solidarizam até à morte com as vítimas, como tantos agentes de saúde, médicos e tantos padres e religiosas que já deram sua vida para oferecer um mínimo de conforto aos doentes.
Porém, há o outro lado, sombrio, obscuro, dos adoradores da morte. Eles evocam a prática nazista nos campos de concentração, tanto denunciada por Simone de Beauvoir como por Sartre, demostrando como ser humano pode perder todo respeito pela dignidade alheia: os nazistas vagavam pelas pilhas de cadáveres, arrancando suas peles para confeccionar abajures e extraindo seus dentes para fazer colares.
Sim, pode-se perder totalmente o respeito pela vida humana, até pelo cadáver humano. Os idosos desse país, inclusive gente famosa, sabem que praticamente estarão condenados caso contraiam o coronavírus. É um cálculo matemático e ponto final.
Entretanto, essa escolha não é por falta de condições de atendimento a todos, como se alega, até porque as condições de atendimento podem ser alargadas conforme as políticas de um país ou de uma sociedade. O que está em jogo é a sociedade do descarte, como diz Papa Francisco, que não só descarta lixo como também pessoas humanas que não interessam mais ao sistema econômico, diga-se com toda clareza, ao capitalismo.
Nesse sentido, Tobias volta a ser simbolicamente a alma generosa que cuida de todos, também dos mortos. Como todo grande personagem bíblico, ele expressa a essência do próprio Deus.
Assim sendo, comparem Tobias a Bolsonaro e vejam qual qualidade de ser humano temos na presidência, juntamente com todos os seus seguidores. Como dizia Jesus, “é pelos frutos que se conhece a árvore” (Lucas 6,44).